O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por
sintomas persistentes de desatenção, impulsividade e hiperatividade. É um transtorno
neurobiológico que atinge cerca de 6% das crianças em idade escolar, sendo o mais prevalente
transtorno mental na infância e a principal causa da procura por serviços de saúde mental para
crianças e adolescentes.
O TDAH é uma doença multifatorial, com etiologia complexa e forte herdabilidade.
Fatores nutricionais, no período gestacional, têm sido investigados como determinantes de
TDAH, como por exemplo, ingestão de ácido fólico, ferro, omega-3 e cafeína. Efeitos de
exposições nutricionais na infância sobre TDAH também vêm sendo explorados. Os estudos
apontam para um efeito protetor da maior ingestão de ferro, zinco e ácidos graxos
poliinsaturados e, em contrapartida, um efeito adverso da maior ingestão de corantes,
conservantes e açúcar. No entanto, os achados são inconsistentes.
Tendo em vista a escassez de estudos sobre o consumo de cafeína na gestação e
TDAH e da inconsistência dos achados acerca do efeito do açúcar sobre o TDAH, esta tese
avaliou o efeito do consumo materno de cafeína durante a gestação e do consumo de açúcar
pela criança sobre o desenvolvimento de TDAH aos seis anos de idade, entre as crianças
pertencentes à Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004.
Os membros da Coorte foram avaliados ao nascimento, aos três meses e com um, dois,
quatro, seis e dez anos de idade. Ao nascimento foram obtidas informações sobre o consumo
materno de cafeína durante a gestação. Aos seis anos, o consumo alimentar da criança foi
avaliado por meio de questionário de frequência alimentar, que possibilitou avaliar o aporte
de sacarose presente nos alimentos. A presença de TDAH foi avaliada aos seis anos de idade,
por meio do questionário Development and Well-Being Assessment, aplicado às mães.
Um total de 3585 crianças foram incluídas nas análises sobre cafeína e 3240 nas
análises sobre sacarose. Os resultados mostraram uma prevalência de TDAH de
2,6% (IC95%: 2,1-3,2), sendo 3,4% (IC95%: 2,9-3,9) entre os meninos e 1,8% (IC95%: 1,4-
2,2) entre as meninas. A prevalência de alto consumo de cafeína (≥ 300 mg/dia) foi de 15,4%
(IC95%: 11,0-19,8), 19,2% (IC95%: 13,5-24,9), 17,9% (IC95%: 12,6-23,2) e 16,4% (IC95%:
11,6-21,2), durante toda a gestação e no primeiro, segundo e terceiro trimestres,
respectivamente. O consumo pesado de cafeína pela mãe, durante a gestação, não esteve
associado ao TDAH na análise bruta ou ajustada, tanto para meninos quanto para meninas. Já
o consumo de açúcar pela criança esteve associado ao TDAH entre meninos aos seis anos de
idade. O consumo médio de sacarose entre crianças com e sem TDAH foi 129,67 (73,72) e
108,49 (69,22) g/dia, respectivamente. Na análise bruta, os meninos no maior tercil de
consumo de sacarose por dia apresentaram uma chance 3,60 (IC95%: 1,72-7,52) vezes maior
de ter TDAH, quando comparados aos do menor tercil tomados como referência. Após ajuste
para confundidores, a associação permaneceu (RO: 2,67; IC95%: 1,22-5,85). Entre as
meninas não se observou associação, tanto na análise bruta (RO:1,40; IC95%:0,60-3,27)
quanto na ajustada (RO: 1,11; IC95%:0,41-2,99).
Em síntese este estudo revelou que o consumo materno de cafeína na gestação não
esteve associado ao TDAH. Por outro lado, o consumo de açúcar pela criança associou-se a
uma maior prevalência de TDAH, entre os meninos, aos seis anos de idade. Tais achados têm
grande importância em saúde pública uma vez que sugerem que o consumo de sacarose pode
ser um fator prevenível de TDAH na infância.