Rodrigues, Thalita (2015). Concepções de violência e interseccionalidade: análise em um Centro de Referência de Atendimento à Mulheres em situação de violência. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Este trabalho investigou a relação entre interseccionalidade e concepções de violências contra as mulheres, privilegiando os marcadores sociais de gênero, sexualidade, raça e classe. O campo-tema desta pesquisa constituiu-se de alguns espaços e debates como o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em situação de violência (CRAM) e a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Minas Gerais. A articulação dos espaços que compuseram o campo-tema embasaram as análises de cenas vivenciadas no CRAM. Os feminismos foram pontos de partida epistemológico, metodológico e político para a realização desta pesquisa: localização do lugar de fala, a reflexividade, o posicionamento e a implicação estiveram presentes ao longo de todo o processo. As concepções de violência e justiça são históricas, culturais e, portanto, localizadas no tempo e espaço. As violências contra as mulheres têm sido reconhecidas enquanto violência doméstica a partir de um processo representacional que as restringe às desigualdades de gênero. As contribuições dos feminismos da terceira onda aplicam-se aqui, justamente, por evidenciar que não deve haver hierarquias de opressões e que o foco nas relações de gênero tem privilegiado algumas experiências de mulheres em detrimento a muitas outras. A análise das cenas permitiu observar que: (1) as relações de gênero são pautadas, principalmente, nos binarismos de gênero tendo como consequência a nomeação e a expectativa de casos de violência de gênero em relações de intimidade; (2) as questões de sexualidade emergem a partir da compreensão da coerência sexo-gênero-desejo, sendo a heteronormatividade a matriz de reconhecimento preponderante. Discursos preconceituosos e normativos estão presentes, não sendo surpresa a ausência de experiências de mulheres (lésbicas, prostitutas, trans) no serviço; (3) há alguns movimentos institucionais de aproximação com os debates raciais, embora ainda seja incipiente a operacionalização desta articulação no reconhecimento da violência contra as mulheres negras; (4) há prepoderância de atendimentos voltados às mulheres pobres, sendo difícil a operacionalização de acompanhamentos às mulheres que não sejam de classes populares. Ampliar a concepção de mulheres implica, em alguma medida, expandir a compreensão sobre os sujeitos do feminismo e suas lutas, bem como compreender que violência contra as mulheres podem ser, na verdade, muitas e no plural. Espero que este trabalho, pautado na materialidade de experiências das mulheres que evidencia distribuições desiguais de vulnerabilidade, auxilie na leitura ampliada de mulheres e violências.