A produção brasileira de biodiesel emprega majoritariamente óleo de soja.
Entretanto, esforços vêm sendo realizados para a diversificação das matériasprimas
empregadas nesta indústria, visando uma maior viabilidade econômica do
produto final. Industrialmente, a rota de produção de biodiesel utiliza catalisadores
homogêneos de natureza alcalina na metanólise do material graxo. Por isso,
parâmetros como o teor de ácidos graxos livres (AGLs) e água acarretam em
diminuição no rendimento da reação e favorecimento de reações paralelas como
a saponificação. Portanto, visando utilizar eficientemente materiais com essas
características, há a necessidade da aplicação de catalisadores alternativos.
Neste estudo, a lipase Novozym 435 (N435) foi utilizada na etanólise do óleo
residual de fritura (ORF). A caracterização física e química do ORF demonstrou
algumas variações em relação ao óleo de soja refinado, como o aumento no teor
de AGLs, de água, e do índice de peróxidos. Ainda, observou-se a presença de
hidroperóxidos provenientes de reações de degradação do óleo. Uma vez
caracterizado, o ORF foi submetido à etanólise catalisada pela N435.
Primeiramente, um estudo univariado foi realizado, que demonstrou que o uso de
10% de hexano neste sistema é desnecessário. Além disso, a adição de água ao
sistema e o uso de etanol hidratado diminuiu os teores em ésteres etílicos de
ácidos graxos (EEAG) que foram obtidos no produto final. Através de um
planejamento multivariado, o comportamento deste sistema foi avaliado e os
efeitos das variáveis razão molar, quantidade de enzima, teor de ácidos graxos
livres e teor de água sobre as reações de etanólise do ORF foram determinados
empregando como resposta o teor total de EEAG do produto final. Nestes
experimentos, a temperatura e a agitação foram fixadas em 40 °C e 150 rpm,
respectivamente. Para o planejamento 22 com 4 pontos axiais, onde se avaliou as
variáveis razão molar e quantidade de enzima, observou-se em 10 h de reação
teores de EEAG de 80% nas condições de 5% de N435 e razão molar etanol:óleo
de 9:1. Já o gráfico de Pareto indicou que, a um nível de 95% de significância, a
quantidade de enzima (L) foi a variável com maior efeito positivo, de 14,89 pontos
percentuais, sobre o teor de EEAG quando a porcentagem de enzima foi
aumentada de 1% para 5%. Diversos tratamentos para a recuperação da
atividade enzimática da N435 foram realizados, bem como ensaios de reuso do
biocatalisador. Estes ensaios demonstraram que a atividade de transesterificação
da enzima é recuperada após lavagem com terc-butanol, devido à semelhança
entre os teores em EEAG obtidos após os 1º e 2º usos de uma mesma amostra
de enzima. As reações em duas etapas, com a utilização de enzima fresca e
recuperada, foram realizadas a fim de aumentar os teores em ésteres etílicos em
ácidos graxos, porém, isto não se mostrou promissor, visto que os teores em
EEAG se mantiveram similares à cinética sem adição de mais catalisador.
Portanto, este trabalho demonstrou que é possível utilizar ORF na produção de
ésteres etílicos empregando N435 como catalisador, já que elevados valores de
EEAG foram obtidos nestes sistemas. Ainda, observou-se que a atividade da
lipase N435 foi recuperada, o que pode tornar o seu emprego industrial mais
viável para a produção de biodiesel. No entanto, o produto final não atendeu a
alguns dos principais parâmetros da especificação nacional deste biocombustível.