RESUMO
FREITAS, Valter. A interpretação liberal de estado em Kant e o problema da resistência. 2014. 105 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo, 2014.
Essa dissertação objetiva analisar como se apresenta o direito de resistência no pensamento de Kant. Assim, para estudar como Kant concebe a relação entre o cidadão e o Estado, e como harmoniza sua visão liberal com a impossibilidade do direito de resistência, é preciso compreender com profundidade sua teoria política. Desse modo, argumentaremos que para o filósofo alemão a função primeira do Estado é proteger a liberdade. Nessa perspectiva, o direito assume função ímpar, pois é somente pelo império da lei que é possível ser livre. Assim sendo, apresenta Kant que no estado de natureza vige apenas um direito provisório e transitório e somente com a passagem do estado de natureza para o Estado Civil é que os indivíduos têm assegurado, por meio do poder estatal, a coexistência das liberdades segundo uma lei universal. Essa transição ocorre por meio de um contrato social, no qual os indivíduos pactuam sua submissão ao poder soberano, assumindo este a função de representante da vontade geral e guardião supremo da liberdade. Diante disso, seria possível concluir que é um direito dos cidadãos resistir ao Estado que, violando o contrato social, suprima as liberdades individuais? Seria legítimo admitir um direito a rebelião diante de um Estado injusto? Kant escreve que não. Para ele remanesce, em qualquer hipótese, o dever de obediência do súdito ao Estado. Admitir um direito a resistir ao soberano minaria os fundamentos do Estado Civil que se consubstancia na submissão das vontades ao poder estatal. Uma revolução significa a destruição do Estado Civil e o retorno ao estado de natureza. Por isso, acrescenta que um Estado, por mais autoritário que possa parecer, ainda é mais justo que o estado de natureza, onde tudo é inseguro e reina a máxima injustiça. Conclui, em seguida, que outro empecilho em se admitir o direito de resistência é que não haveria juiz capaz de julgar quando o soberano violou o pacto social e, portanto, estaria autorizada a rebelião. Na realidade, Kant ainda levanta contra o direito de resistência outros argumentos, tais como a impossibilidade dos descontentes de harmonizarem a máxima de suas ações com o princípio da publicidade, e de que o Estado é representante da vontade unida do povo, o que implicaria dizer que quem ataca o Soberano está atacando a vontade do próprio povo nele representada. Por um lado, por mais que, historicamente, Kant tenha sido um entusiasta da Revolução francesa, sua teoria política não defende que os processos revolucionários sejam capazes de trazer mudanças qualitativas. Por outro, por mais que considerasse o dever de obediência um dever absoluto, Kant se coloca como defensor da livre manifestação do pensamento e da possibilidade dos cidadãos de pressionarem os seus representantes, no parlamento, para que estes operem reformas graduais nas leis julgadas injustas pelo povo. Portanto, é perfeitamente possível conciliar a posição kantiana de negação do direito de resistência com sua visão liberal, visto que é somente por meio do Império da Lei que a liberdade pode existir segundo uma lei universal.