Constitui-se por objetivo geral deste trabalho compreender o papel das práticas e vivências escolares na constituição do ser criança na fase da infância, analisando como as crianças vivem sua condição de infância na instituição de educação infantil e como produzem e reproduzem culturas no ambiente escolar. O ponto de partida para desenvolver a pesquisa foi a concepção de educação infantil como socialização da criança de maneira hegemônica, portanto, desde cedo, ela precisa tornar-se aluna e ser formada/conformada pela gramática escolar. Porém, as crianças enquanto indivíduos produzidos na e pela cultura agem, transgridem as regras e constroem sentidos e culturas próprias no ambiente escolar, intervindo neste contexto específico e na realidade social como um todo. Para o desenvolvimento da investigação, optou-se pelo paradigma epistemológico interpretativo, realizando uma pesquisa inspirada no método etnográfico. Para a produção dos dados, foram utilizadas as técnicas de observação sistemática, análise documental e entrevistas informais. A observação participante ocorreu em uma instituição de educação infantil de Campina Grande - PB, que atende crianças com idade entre 2 e 5 anos, nas etapas creche (maternal) e pré-escola. O período de observação ocorreu de julho de 2011 a maio de 2012, totalizando 57 dias e 160 horas de observações, nas quais se utilizou para registro dos dados: diário de campo, câmera fotográfica e de vídeo. Participaram diretamente da pesquisa 28 crianças de duas turmas da etapa pré-escolar e 4 professoras. Em linhas gerais, os resultados da pesquisa indicaram uma prática pedagógica com objetivos explícitos de preparação/alfabetização, deixando a margem e/ou naturalizando outras linguagens fundamentais para a criança, a exemplo do brincar, do desenhar e do pintar; do desenho animado, da musicalidade, da expressão corporal e da fantasia. Constatou-se, também, outra prática curricular menos explícita, denominada pedagogia do controle, que visa disciplinar/limitar a oralidade, o pensamento, o corpo, os desejos, a imaginação, a criatividade e as fantasias das crianças. Esta prática implícita, mas tangível, coloca as crianças exatamente no lugar que foi instituído histórica e culturalmente para elas: a menoridade, a subalternidade, a dominação, a subserviência. Os dados indicaram, também, uma perspectiva de trabalho escolar permeada por exaustivas tarefas de leitura e escrita, encurtando o tempo livre das crianças, e revelaram algumas nuances das relações de pares infantis: a amizade, a fragilidade e a desigualdade nas relações de pares, onde, em geral, reproduzem os critérios e valores adultos. Todavia, a despeito da pedagogia do controle, as crianças constroem culturas no horário das atividades em sala (livres e dirigidas) e no parque, por intermédio das brincadeiras e de ações diversas. Enfim, os nossos dados apontam para uma clara disposição das crianças em resistir à pedagogia do controle, isto porque elas, como sujeitos que monitoram suas ações, ao tempo que são coagidas pela estrutura institucional a assumirem a identidade de aluno passivo, subserviente, criam estratégias para resistir à forma/moldura da pré-escola, enfim, da estrutura. Em face do exposto, conclui-se que não há lugar para a infância na pré-escola pesquisada. A pedagogia do controle não propicia a vivência da infância. No entanto, as crianças, como agentes sociais, agem a contrapelo da gramática escolar, resistem a este currículo, a estas práticas e conseguem, de forma fortuita, reproduzirem e produzirem culturas infantis modificando a estrutura vigente. Em síntese, as crianças vivem/assumem sua condição de infância na pré-escola. Confirma-se, neste sentido, a nossa tese inicial.