O presente trabalho de pesquisa pretende analisar a crítica de Nietzsche à ideia de
unidade metafísica no segundo período de sua produção (1876-1882), em especial
na obra Humano, demasiado humano (1878). A teoria metafísica, disseminada pelo
socratismo ao longo da tradição filosófica, foi eleita pelo filósofo alemão como o fio
condutor responsável pela decadência cultural do Ocidente. Essa concepção,
subsidiada por um mecanismo que procura afastar a multiplicidade e a
complexidade do mundo, também é a responsável por um longo processo de
construção conceitual que hierarquizou e separou o mundo e as coisas humanas
como indignas da filosofia. Nesse contexto, Nietzsche apresenta um novo
procedimento de análise científica que visa dissecar a origem dos sentimentos
morais e de todos os demais “conceitos” e, com isso, vencer os idealismos
presentes na religião, na moral e na arte que estariam fundados na metafísica. Ao
contrapor a sua “filosofia histórica” à “filosofia metafísica” (HH,1), Nietzsche faz uso
da fisiopsicologia como procedimento de análise. Um dos motes centrais dessa
análise é a tentativa de inverter a visão hierárquica dos valores morais baseados na
busca pela unidade: a ideia de unidade é tão empobrecedora da experiência da vida
quanto responsável pela negação das “coisas humanas”, em benefício de valores
mais próximos da vida, dando licença para o experimentalismo,enquanto proposta
filosófica que compreende a própria vida como um longo e inacabado resultado de
suas próprias experimentações. Por trás desses dois modelos de conceber a
atividade filosófica está o tradicional conflito entre ser e devir: se a metafísica quer
instalar uma verdade única sobre o ser, a histórica quer reconhecer a multiplicidade
do devir. Nesse percurso, veremos como o espírito livre se torna uma figura
característica dos movimentos de liberação da moralidade dos costumes e
possibilidade de compreensão filosófica anti-metafísica, posicionada além dos
valores de unidade porque reconhece a multiplicidade de experiências como
característica da vida. Diante da proposta de libertação, a ciência é praticada como
modo de investigação das reais condições do conhecimento humano, apontando o
caráter provisório, simplificador e falsificador das categorias que formam a visão de
mundo da filosofia, mostrando a história da gênese do pensamento, combatendo os
danos causados pela metafísica, criando possibilidades para um abandono das
convicções da unidade e, finalmente, inserindo o humano naquilo que o identifica
como vir-a-ser e como submetido ao vir-a-ser de todas as coisas.