Estudamos a reprodução do canário-do-brejo (
Emberizoides ypiranganus
), uma ave
com uma história de vida pouco conhecida, nos campos de altitude do Bioma Mata
Atlântica, no sul do Brasil. Coletamos dados durante duas temporadas reprodutivas (de
outubro a março de 2012-2013 e 2013-2014) no Parque Estadual do Tainhas
(29º 5 58
S, 50° 21 50
O), no nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Monitoramos 93
ninhos e avaliamos diversos aspectos ligados à reprodução da espécie, tais como
territorialidade, cronologia da nidificação, características dos ninhos, ovos e ninhegos,
tamanho das ninhadas, incubação, taxa de eclosão, cuidado parental, sucesso
reprodutivo e características dos habitats (estrutura e composição florística) importantes
na seleção dos sítios de nidificação. A reprodução começa na primeira semana de
outubro, tem um pico de ninhos ativos na segunda quinzena de novembro, e dura até o
início de março. Os territórios reprodutivos têm um tamanho médio de 1,1 ± 0,5 ha.
Área onde ocorrem queimadas possuem territórios menores e uma menor densidade de
pares reprodutivos em comparação a áreas sem fogo. Ninhos foram construídos em
áreas de transição entre ambientes secos e úmidos (49,5%) ou em áreas de campo seco
(48,4%). Apenas 2,1% dos ninhos foram construídos em áreas de banhado denso. A
análise da estrutura e composição florística dos sítios de nidificação mostrou que a
espécie seleciona locais para construção dos ninhos onde há grande abundância de
touceiras de gramíneas como
Andropogon lateralis
,
Schizachyrium tenerum
e
Sorghastrum setosum
. Os ninhos têm formato de taça e são construídos apenas pela
fêmea em 3-7 dias, a uma altura média 36,2 ± 11,6 cm do solo. A ninhada é de três
(67,3%) ou dois ovos. A incubação, que é realizada apenas pela fêmea, dura de 13 a 14
dias e é sincrônica. A taxa de eclosão dos ovos foi 93,5%. Os ninhegos permanecem no
ninho entre nove e 12 dias. Na maioria dos ninhos os ninhegos são alimentados pelo
macho e pela fêmea (cuidado biparental). A frequência de visitas ao ninho para
alimentar os ninhegos não diferiu com suas idades, mas a duração das visitas foi maior
no início (ninhegos de 1-5 dias de vida). O sucesso aparente dos ninhos foi 41,9%,
enquanto o sucesso calculado pela estimativa de Mayfield foi 39,3% e pelo programa
MARK foi 35%. A predação foi a principal causa de perda das ninhadas, afetando 76%
dos ninhos insucesso. O melhor modelo para a sobrevivência dos ninhos inclui fatores
tempo-específicos (idade do ninho e temporada reprodutiva) e características do local
do ninho (altura e habitat). As taxas de sobrevivência diária diminuem ao longo do ciclo
de nidificação, caindo bruscamente após a eclosão, na fase de ninhego. Em ninhos
sucesso a sobrevivência de ninhegos foi 0,83 ± 0,24 e a produtividade média 2 ± 0,76
filhotes/ninho. Considerarmos ninhos sucesso e insucesso, a produção anual de filhotes
foi 0,84 ± 1,11 filhote/ninho. Até quatro tentativas de nidificação foram realizadas por
uma fêmea na mesma temporada reprodutiva. O intervalo médio entre a perda de um
ninho e uma nova tentativa foi 2,7 ± 1,3 dias e a distância média entre ninhos
subsequentes em um território foi 104,2 ± 60,2 m. Embora haja pouca informação
disponível na literatura sobre a reprodução de
E. ypiranganus
, alguns parâmetros
básicos encontrados são semelhantes aos já descritos. No entanto, muitos resultados
deste estudo são inéditos para a espécie, a exemplo da territorialidade, sucesso
reprodutivo e seleção dos sítios de nidificação.