Neste trabalho propomos um estudo sobre a biodiversidade e ecologia dos peixes
mesopelágicos (0–200 m de profundidade) do Atlântico Sudoeste Tropical (AST). Para
isso, foram utilizados dados provenientes de dois cruzeiros oceanográficos, realizados em
2015 e 2017, no âmbito do Projeto ABRACOS. Com base nesse material, foram
compiladas informações sobre o habitat, diversidade, abundância, distribuição, e ecologia
trófica de milhares de espécimes mesopelágicos. Dessa forma, esta tese está organizada
sobre uma introdução geral, dois capítulos principais e uma conclusão.
No primeiro capítulo, organizado em cinco artigos, abordamos a diversidade,
distribuição e aspectos morfométricos de peixes mesopelágicos, fornecendo a primeira
referência base sobre a biodiversidade dos peixes mesopelágicos do AST. No primeiro
artigo, que inclui uma síntese da fauna de peixes mesopelágicos coletados, mostrámos
que um número relativamente elevado de espécies ocorre na área de estudo, incluindo
pelo menos 24 ordens, 56 famílias, e 207 espécies. Destas, nove espécies (4%) são
potencialmente novas e 61 (30%) representaram novos registos para as águas brasileiras.
Cinco famílias foram predominantes e representaram 52% da diversidade de espécies,
90% dos espécimes coletados, e 72% da biomassa total: Myctophidae, Stomiidae,
Gonostomatidae, Melamphaidae e Sternoptychidae. Em dois artigos complementares (e
mais 4 artigos em anexo), também foram detalhados a diversidade e distribuição dos
seguintes grupos: Trichiuridae, Howelidae, Caristiidae, Argentiniformes,
Stephanoberycoidei e Ceratioidei. Nestes estudos, não só relatamos a nova ocorrência de
espécies para área de estudo, mas também revemos, identificamos e discutimos registros
anteriores em águas brasileiras. Finalmente, em dois artigos, fornecemos informações
morfométricas e relações de peso-comprimento inéditas para 23 espécies.
No segundo capítulo, organizado em três artigos, abordámos a ecologia das
principais espécies (em termos de abundância e biomassa) identificadas no capítulo um:
Sternoptychidae (peixes machadinha), Myctophidae (peixes lanterna), e o peixe víbora
Chauliodus sloani. Destacamos, por exemplo, quais espécies ao longo da área de estudo
migram verticalmente para regiões superficiais durante a noite, processo no qual o
sequestro de carbono é fortemente potencializado. Além disso, mostramos como esse
comportamento está relacionado com as características físico-químicas do ambiente
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(oxigênio e temperatura). Considerando a ecologia alimentar, demonstramos que várias
espécies ocupam uma posição trófica importante, uma vez que consomem zooplâncton e
servem como importante presas para inúmeros predadores de regiões superficiais e
profundas. Além disso, mostramos um alto consumo de organismos gelatinosos, uma
importante ligação trófica que historicamente tem sido subestimada. Ao combinar todas
as informações, demonstramos que algumas espécies de peixes mesopelágicos são
segregados em grupos funcionais com diferentes preferências alimentares, composição
isotópica, picos de abundância vertical e respostas às restrições ambientais. Como
exemplo, definimos cinco grupos funcionais para os peixes machadinha, enquanto três
padrões de preferência alimentar e quatro padrões de comportamento migratório foram
identificados para os peixes lanterna. Estes padrões revelam não só uma alta variabilidade
no uso recursos, mas também vários mecanismos adquiridos ao longo da evolução para
evitar a exclusão competitiva.
Finalmente, através do estudo do caso do peixe víbora, exploramos como
forçantes físicas podem afetar a ecologia das espécies mesopelágicas e como essas
relações podem mudar em grandes áreas oceânicas. Mostramos que tanto ecologia como
os papéis funcionais do peixe víbora são modulados pela mudança latitudinal na
temperatura. Por exemplo, na maioria das regiões tropicais, o peixe víbora permanece em
águas profundas por tempo integral, onde se alimenta, excreta e serve como presa em
camadas profundas. Pelo contrário, em regiões temperadas, o peixe víbora migra para
águas superficiais onde interage com predadores epipelágicos e pode liberar carbono onde
a sua remineralizarão é potencialmente maior. As informações aqui apresentadas
contribuem para o entendimento geral da biodiversidade e da ecologia de várias espécies
do oceano profundo. Estes dados podem ser importantes para estudos futuros sobre o
funcionamento, conservação e processos ecossistêmicos de comunidades mesopelágicas.