Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou como pandemia a Doença Coronavírus – 2019 (COVID-19), causada pela infecção do novo coronavirus SARS-CoV-2. A magnitude e a gravidade dessa doença levaram à uma crise financeira global sem precedentes em um curto espaço de tempo e afetou vários aspectos da vida cotidiana de milhares de pessoas ao redor do mundo. Embora as medidas restritivas sejam eficazes e sua implementação seja fundamental para o controle da disseminação do SARS-CoV-2, geram modificação nos comportamentos alimentares os quais podem trazer consequências para diversos agravos em saúde,como o desenvolvimento de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas a cárie dentária. O principal objetivo da pesquisa foi avaliar o consumo de alimentos ultraprocessados cariogênicos (AUC) em pré-escolares na pandemia do COVID-19. Foi realizado um estudo transversal com uma amostra de pré-escolares (2 a 5 anos de idade)
dos Centros Municipais de Educação Infantil de Curitiba-PR. Os pais/responsáveis de 672 pré-escolares responderam a um questionário em suas versões física (41,2%) ou virtual (58,8%) contendo questões referentes a avaliação socioeconômica e demográfica. A caracterização do consumo de alimentos com potencial cariogênico foi
avaliada por meio de questões que investigaram a frequência e as mudanças no consumo de AUC na pandemia. Os 5 itens alimentares ultraprocessados indicados como as principais fontes de açúcares livres na América Latina pela Organização Panamericana de Saúde foram incluídos na pesquisa - refrigerantes ou bebidas com gás;sucos artificiais/refrescos em pó/ sucos concentrados; guloseimas (bala, caramelo,pirulito, sorvete, chocolate); bolos (feitos com mistura para bolo ou comprados prontos);biscoito/bolacha doce. A frequência de consumo diária de AUC foi obtida pela soma da frequência diária de cada um dos 5 itens alimentares investigados. Para avaliar as
mudanças alimentares foram investigados os 3 primeiros itens ultraprocessados indicados como principais fontes de açúcares livres, segundo o relatório da Organização Panamericana de Saúde sobre o consumo de alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina - refrigerantes ou bebidas com gás; sucos artificiais/refrescos em pó/
sucos concentrados e guloseimas (bala, caramelo, pirulito, sorvete, chocolate). Para as análises, a frequência de consumo diário de AUC foi dicotomizada em alto e baixo consumo através da mediana. Para verificar o comportamento dos pais durante as refeições foram utilizados 3 domínios (Disponibilidade diária de frutas e vegetais, Modelo
de consumo de guloseimas e Limite de guloseimas) do instrumento “Parent Meal Action Scale” (PMAS) validado e traduzido para o português do Brasil. Foram utilizados testes bivariados não paramétricos para avaliar a associação entre as variáveis independentes e o consumo de alimentos ultraprocessados cariogênicos (α=0,05). As variáveis com p < 0,20 nas análises bivariadas foram selecionadas para a construção do modelo múltiplo de Regressão de Poisson com variância robusta, sendo mantidas no modelo final aquelas que permitiram um melhor ajuste do mesmo e que se permaneceram significantes (p < 0,05) no conjunto de variáveis. Cerca de 43% dos pais relataram que a alimentação da criança modificou durante a pandemia, destes 19% relataram que a alimentação dos seus filhos piorou e 24% relataram que melhorou durante a pandemia.Os alimentos ultraprocessados cariogênicos com maiores frequências diárias de consumo foram os sucos artificiais/refrescos em pó/ sucos concentrados com média
diária de consumo de 0,52 (DP=0,72; Mediana: 0,21), seguidos do biscoito/bolacha doce com média diária de 0,37 (DP=0,48; Mediana: 0,21) e das guloseimas com média diária de 0,35 (DP=0,49; Mediana: 0,21). A média de frequência diária de consumo de AUC foi 1,63 (DP=1,75). No modelo múltiplo a alta frequência de consumo foi associada a pais com menor grau de instrução (RP=1,359; IC95%:1,106-1,669; p=0,003) e aos menores valores do domínio “Disponibilidade de frutas e vegetais” do PMAS (RP=0,716;IC95%:0,592-0,866; p= 0,001). Pode-se concluir que a pandemia da COVID-19 propiciou um impacto significativo no consumo de alimentos ultraprocessados cariogênicos em pré-escolares. Além disso, a frequência diária de consumo de AUC esteve relacionado
à escolaridade dos responsáveis e a valores menores do domínio “Disponibilidade de frutas e vegetais”, indicando que o relato de maior consumo desses alimentos pelos pais e maior oferta às crianças esteve associado de forma independente ao menor consumo de AUC.