Silva, Paulo Antonio; 2013. Ocorrência e forrageamento de psitacídeos em paisagem antropogênica do noroeste paulista, limítrofe Mata Atlântica-Cerrado. Tese de Doutorado em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia-MG. 154p;.
Paisagem antropogênica é a realidade do planeta terra. A situação é tão extrema, que o termo "antroma" (bioma antrópico) foi introduzido em alusão à enorme capacidade que o homem tem de ocupar e modificar as áreas naturais. Sem dúvidas, estas modificações têm ameaçado várias espécies de extinção. Em razão disso, reservas (ou áreas protegidas) têm sido estabelecidas como principais medidas de proteção das espécies. Contudo, muitos conservacionistas estão convencidos de que o futuro da biodiversidade depende principalmente dos impactos e do manejo das paisagens antropogênicas. Portanto, existe uma grande necessidade de pesquisar as espécies nestas paisagens, a fim de compreender suas exigências ecológicas e estabelecer práticas afetivas de manejo ambiental visando à conservação da biodiversidade além das reservas. Seguindo esta crescente tendência conservacionista, estudei uma assembleia de psitacídeos (araras, periquitos, tuins e papagaios) em uma paisagem antropogênica do sudeste do Brasil. Psitacídeos são severamente ameaçados pela modificação da paisagem e algumas espécies têm sido forçadas a viver em ambientes antropizados, onde os hábitos, bem como os elementos necessários para a persistência deles, têm sido pouco examinados. Os psitacídeos são consumidores primários e, portanto, a minha hipótese inicial é que algumas espécies vegetais, principalmente devido aos seus atributos fenológicos, assumem um papel importante na persistência destas aves em paisagens antropogênicas, mesmo em uma curta escala temporal. Estudei os psitacídeos no município de Ilha Solteira, que está localizado na região fronteiriça dos biomas Mata Atlântica e Cerrado (noroeste do Estado de São Paulo). Ilha Solteira tem uma área de 63.900 ha e 98% da vegetação natural foi modificada pelo homem. Os psitacídeos aqui estudados são: Ara ararauna (arara-canindé), Diopsittaca nobilis (maracanã-nobre), Aratinga leucophthalma (periquitão-maracanã), A. auricapillus (periquito-de-testa-vermelha), Forpus xanthopterygius (tuim-de-asa-azul), Alipiopsitta xanthops (papagaio-galego), Amazona amazonica (curica) e Amazona aestiva (papagaio-verdadeiro). Usei nove trajetos lineares (com 5 km cada) para avaliar a ocorrência e forrageio dos papagaios durante 24 meses. Como a fenologia reprodutiva de plantas é um fator regulador das populações de psitacídeos, simultaneamente, eu também avaliei a disponibilidade temporal de flores e frutos em plantas localizadas nos transectos. Os psitacídeos forragearam 96 espécies vegetais pertencentes 30 famílias. A média de espécies de plantas forrageadas foi de 25,0 (DP=11,9), variando de seis (para A. amazonica) a 44 (para A. leucophthalma). Famílias botânicas cujas espécies são abundantes na área, tais como Anacardiaceae, Arecaceae, Fabaceae e Myrtaceae foram representativas no forrageamento dos psitacídeos. No geral, todos os psitacídeos forragearam plantas exóticas, que foram particularmente significantes na dieta de A. ararauna e D. nobilis. Sementes foi o item mais consumido por todos os psitacídeos estudados, refletindo o potencial papel dessas aves na regulação das populações de plantas e diversidade de comunidades vegetais. Aratinga auricapillus foi a única espécie com amplo nicho alimentar, sendo generalista nas estações seca e chuvosa. Os outros psitacídeos, embora tenham forrageado várias espécies de plantas, apresentaram nicho alimentar estreito, focando 1-3 espécies vegetais, o que sugere uma dieta especialista. O padrão fenológico na área de estudo é consistente com o esperado para a região Neotropical, com frutos secos e carnosos abundantes, respectivamente, nas estações seca e chuvosa. A ocorrência de D. nobilis, A. leucophthalma e F. xanthopterygius parece regulada principalmente pela disponibilidade frutos carnosos, mas a atividade reprodutiva também pode ter sido um fator regulador. O padrão fenológico, no entanto, não explicou claramente as mudanças sazonais na amplitude do nicho alimentar dos psitacídeos. Alipiopsitta xanthops é, provavelmente, uma espécie nômade, ocorrendo e se alimentando na área de estudo apenas durante a estação seca. Plantas cuja frutificação se estende por mais de seis meses (padrão estendido) ou com repetidos episódios de frutificação em um ano (padrão bianual), parecem ser as mais importante na exigência alimentar e persistência local dos psitacídeos. Por isso, podem ser espécies-alvo para a restauração de áreas degradadas. É importante ressaltar que algumas espécies exóticas têm alta relevância no forrageio dos psitacídeos. Assim, é provável que a erradicação dessas plantas gere impactos negativos aos psitacídeos que parecem depender fortemente de seus frutos. Minha principal proposta de manejo é manter as plantas exóticas e aumentar a abundância de algumas espécies de plantas alimentícias nativas que no geral frutificam ao longo do ano. Acredito que tais práticas podem minimizar, em longo prazo, o extensivo uso de espécies vegetais exóticas pelos psitacídeos.
Palavras-chave: Ecologia alimentar, frugivoria, manejo ambiental, plantas cultivadas, predação de sementes, sazonalidade.