A origem da vida é uma das perguntas mais antigas da humanidade e estudos sobre as fontes das primeiras moléculas biológicas podem trazer algumas respostas. Neste sentido, a observação do comportamento das moléculas biológicas no meio interestelar (ISM – interestellar medium) é de grande importância, pois, o espaço tem condições hostis, similares à atmosfera da Terra primitiva. A glicina é o menor aminoácido existente e é supostamente responsável pelas primeiras ligações peptídicas no planeta. Embora, pela baixa temperatura e condições de extremo vácuo, a glicina se encontre predominantemente em fase sólida no ISM, o impacto com fótons e partículas altamente energéticas é um dos mecanismos que promovem, neste ambiente, o transporte de uma fração da glicina para fase gasosa. Portanto, o entendimento da estrutura e reatividade da glicina, em sistema isolado, torna-se uma contribuição importante para a ciência. Neste trabalho foi estudada a análise conformacional e as reações unimoleculares da glicina. Os possíveis fenômenos de impacto de alta energia podem também fazer com que ocorra a dessorção acompanhada da ionização dessa espécie, logo, cálculos semelhantes para o cátion radical glicina também foram conduzidos. Cálculos teóricos foram realizados com o auxílio da Teoria do Funcional da Densidade, utilizando o funcional B3LYP e bases 6-31++(d,p) e 6-311++(2d,2p), juntamente com cálculos single-point em nível CCSD(T), para uma melhor descrição da energia eletrônica. Coeficientes de velocidade para as reações foram calculados em diversas temperaturas, desde próximas ao zero absoluto (50 K) até a temperatura ambiente (300 K) adotando a teoria de estado de transição variacional canônica. Ainda para mitigar as condições no ISM, coeficientes de velocidade variacionais microcanônicos foram calculados. A análise conformacional da glicina foi analisada através de um esquema termodinâmico e cinético de interconversões, tendo sido encontrados 8 confôrmeros para a forma neutra e 4 para a forma cátion radical. Uma nova denominação, com base no ângulo diedro dos confôrmeros foi proposta. As barreiras de interconversão, relativas ao confôrmero de menor energia, são maiores do que a energia térmica do sistema (na faixa de temperatura estudada, 50 – 300 K), logo os confôrmeros não estão distribuídos de forma equivalente. Os confôrmeros de menor energia da glicina em forma neutra e cátion radical representam, respecitvamente, 75% e 100% da população a 300 K. O canal de reação mais favorecido da glicina (forma neutra, estado eletrônico fundamental) é a desaminação, com uma barreira de 44,76 kcal mol-1 em relação ao confôrmero reativo. Somente um ponto de sela foi caracterizado para o cátion radical glicina, sendo este para a descarboxilação e com uma barreira de 7,01 kcal mol-1, em relação ao confôrmero reativo. Entre as a dissociações, o canal que leva aos produtos H + CO2 + (CH2NH2)+ é o mais favorável apresentando o limite de dissociação ainda menor (5,05 kcal mol-1). Esquemas cinéticos globais, incluindo as reações de interconversão e decomposição foram propostos tanto para a forma neutra quanto para o cátion radical e os coeficientes de velocidade globais foram calculados. A partir dos resultados, este estudo sugere que o cátion é o transiente mais provável para a decomposição deste aminoácido em condições de ISM.