Descrição:
Órgão financiador do Projeto: FAPESP
Programa de Fomento: Bolsa no País / Programas Regulares / Bolsas / No País / Iniciação Científica / Fluxo Contínuo
Natureza do financiamento: Bolsa de IC
Valor aprovado: R$ 9.183,24
A associação estudantil a entidades acadêmicas como empresas júniores, ligas de mercado financeiro, Enactus, Choice, Share, centros acadêmicos, atléticas, AIESEC, etc., tem sido reproduzida por diversos atores econômicos enquanto um importante instrumento de aprendizado técnico junto a diversas áreas de formação no ensino superior. Para além de tal concepção, o presente artigo destaca que a associação a essas organizações tem sido promovida pelos alunos segundo oportunidades de investimento em suas trajetórias acadêmicas e, no limite, em si mesmos.
Os retornos sobre tais investimentos têm sido buscados (e alcançados) tanto pragmática, como simbolicamente pelos alunos, pois, por um lado, ao se associarem a tais entidades, os mesmos capitalizam tecnicamente suas trajetórias, conquistando em meio à essa dinâmica, posições privilegiadas na hierarquia dessas organizações potencializando suas redes de futura inserção profissional. E, simbolicamente, a associação às mesmas, tem capitalizado seus membros, ao engendrar a incorporação de uma lógica de mercado por meio de esquemas mentais e corporais de percepção, compreensão e ação internalizados de tal forma pelos mesmos fomentando posturas que tenham valor de mercado, uma vez que “the market kwows best”.
Grande parte da produção sobre as entidades acadêmicas apresenta cunho institucional ou provêm da imprensa de negócios e são amplamente voltadas para o enaltecimento da atuação das mesmas. Já entre a produção científica que aborda tais entidades (com amplo espaço para as empresas juniores) prevalece o viés pragmático da contribuição destas para a formação do aluno com foco no desenvolvimento das competências gerenciais ou o empreendedorismo entre os alunos-membros. No entanto, são escassos os estudos que lancem outros olhares sobre essas entidades, mais escassos ainda, são aqueles que questionam ou se posicionam criticamente em relação à preponderância da valoração positiva da atuação nas mesmas e, inexistentes aqueles que o fazem a partir do aporte teórico-metodológico da Sociologia Econômica, aqui proposto.
Ao retratar as entidades acadêmicas enquanto fenômenos econômicos, a Sociologia Econômica (SE) se mostra bastante sensível na compreensão das relações de poder e disputas simbólicas implícitas à dinâmica social da auto-gestão destas organizações. De forma suscinta, Swedberg (2004) define a posição teórico-metodológica da SE segundo o emprego de conceitos e métodos sociológicos aos fenômenos econômicos; complementarmente, Martes et al. (2007, p.10) destacam que “coerção, costume, crença, imitação ou obediência são fenômenos sociais capazes de explicar variados comportamentos econômicos”.
Ainda sobre a concepção da “inserção social da economia”, Kirchner e Monteiro (2002) afirmam que a mesma está entre os principais argumentos da recente retomada de temas relativos à ordem econômica, pela Sociologia; sendo a chamada Nova Sociologia Econômica (NSE), uma manifestação central dessa retomada, que tem entre seus principais sociólogos, Mark Granovetter e Richard Swedberg. Smelser e Swedberg (1994) em obra que se tornaria um marco sobre a NSE, o Handbook of Economic Sociology, destacam que os fenômenos econômicos, uma vez imersos nas relações sociais estão ainda sujeitos à forças simbólicas, tornando, assim, bastante profícua a abordagem bourdiesiana da SE para explorar as entidades acadêmicas (Bourdieu, 2005).
Assim, a abordagem bourdiesiana (Bourdieu e Wacquant, 1992) por considerar as dimensões esquecidas da ciência econômica: a histórica, a social e a política (Steiner, 2006) e os conceitos-chave de habitus, campo, interesse e capital (Raud, 2007) será articulada visando compreender as disputas simbólicas em meio à hierarquização das posições mais privilegiadas no campo de atuação das entidades estudantis cuja lógica reverencia uma lógica de mercado, induzindo dentre outros, à financeirização de espaços até então não-econômicos da sociedade (como as relações sociais entre estudantes do ensino superior). O espaço empírico com vistas a explorar tal dinâmica envolve um dos campi de uma universidade pública nacional onde atuam diversas entidades em meio às quais, os alunos têm experimentado (e como agentes, contribuído com) a financeirização das relações sociais e as consequências desta.
Partindo de uma abordagem metodológica que conjugou a condução de entrevistas, a observação-participante e a pesquisa documental a fontes oficiais, a construção do objeto de pesquisa foi se delineando e a dinâmica observada, aos poucos se configurou na direção da formação de dois campos vinculados entre si, por uma homologia entre as posições mais privilegiadas ocupadas pelos mesmos em ambos, sendo: (i) Um formado a partir dos alunos do curso de engenharia de produção do campus pesquisado (CEP) e; (ii) Outro envolvendo as entidades acadêmicas (tanto interno quanto externo); a serem explorados segundo a abordagem da Sociologia Econômica a partir da noção bourdiesiana de campos relacionais (Bourdieu, 1977, 1985, 1989, 1996).
Formadas para os mais variados fins, algumas entidades acadêmicas possuem grande tradição dentro (e fora) das universidades, como centros acadêmicos, atléticas, cursinhos comunitários, AIESEC e empresas júniores. Mais recentemente, têm ganhado destaque nas universidades, as ligas de mercado financeiro, a Enactus, a Choice, o Clube de Consultoria, o Grupo de Investimentos, dentre outras de menor expressão.
A atuação dessas organizações, ao promover a aproximação entre os alunos e o mercado, por um lado; (i) potencializa experiências práticas de variadas naturezas pelos alunos, dependendo do fim ao qual a entidade se destina , e por outro; (ii) deflagra uma dinâmica social em que diversos atores (internos e externos ao espaço acadêmico) passam a interagir mobilizando a atuação dessas entidades enquanto promotoras de uma lógica de mercado, com variadas consequências sobre o espaço acadêmico.
Como desdobramentos dessas atuações, os alunos, para além das promessas de desenvolvimento de suas habilidades técnico-sociais potencializadas por (i), têm percebido a associação (em série) as entidades enquanto oportunidades de realizar determinados investimentos em suas trajetórias acadêmica, tidos como valorizados nos espaços corporativo, donde os mesmos incorporam valores, crenças, mitos e ritos, cuja reprodução pelos mesmos, acaba por engendrar um processo mais amplo, a partir de (ii) envolvendo a legitimação de um determinado código cultural que dá forma e sentido à uma lógica de mercado reverenciada pelos alunos.
De forma pragmática, este código cultural, implícito à lógica de mercado manifesta-se dentre outros, em mecanismos de controle do trabalho promovidos no âmbito da gestão operacional e estratégica das atividades das entidades em si, à imagem de instrumentos de gestão que os mesmos veem como legitimados pelo mercado . De forma mais simbólica esse código traduz-se na incorporação duradoura de posturas, condutas, modos-de-ser e agir, visões de mundo, concepções cognitivas tidas como legítimos por aqueles que atuam por meio das entidades (ou mesmo entre os que ainda não atuam nas mesmas), ao entenderem estas condutas como sendo valorizados pelo mercado.
A sujeição (mais ou menos consciente) às regras desse jogo estaria em variados graus, submetida à percepção que os mesmos têm de que tal postura valha a pena, no sentido de fomentar uma relação entre custo/benefício rentável, que assim, opere um vetor positivo na manufatura de uma trajetória acadêmica com um valor futuro potencial. Tal criação de valor sobre si mesmos operaria incorporando uma valência, uma grandeza futuramente negociável, à semelhança da dinâmica envolvendo a compra e a venda de ações no mercado de capitais.
De forma geral, os alunos, guardadas as nuances associadas à atuação em cada entidade, ao se conceberem como empresários individuais de si próprios, têm buscado make the numbers mobilizando seus capitais e suas redes, a favor de múltiplas estratégias pessoais dentre elas; a ascensão hierárquica dentro de uma única entidade melhor posicionada na hierarquia entre as entidades ou a associação em série a um conjunto de entidades não tão bem posicionadas naquela hierarquia, summer jobs, intercâmbios internacionais, inserção (e projeção) junto à intensa expansão global das organizações internacionais que regulam as entidades ou ainda uma combinação destas.
E, em meio à dinâmica de ser percebido como ativo promissor pelos market makers actors os alunos têm legitimado a ascensão de uma lógica de mercado, induzindo à financeirização de espaços até então não-econômicos da sociedade, transformando as relações sociais entre os mesmos em relações de mercado.
Considerando o exposto, acredita-se que a atuação estudantil e seu corolário, a ascensão das entidades acadêmicas possam ser retratadas segundo a abordagem da Sociologia Econômica enquanto: (i) expressões de circunscrição de uma crescente influência da esfera das finanças (e de sua lógica) na sociedade brasileira (financeirização) sobre espaços de sociabilização até então não-econômicos, como a experiência acadêmica entre graduandos e, complementarmente como; (ii) espaços coordenados com base nos princípios de justiça (regime de justificação da ação humana) da ordem social legitimada/inscrita no que Boltanski & Thévenot (2006) chamaram de a “cidade por projetos”, entrelaçando até aqui, a abordagem da Sociologia Econômica e das Finanças a dos Estudos Organizacionais e; a abordagem de campos relacionais da abordagem da Sociologia Pragmática da Crítica