Descrição:
Este projeto dá continuidade ao projeto “linguagem, educação e conhecimento: processos e dinâmicas de ensino e de aprendizagem de leitura-escrita nas dimensões da educação escolar”, desenvolvido no âmbito do Grupo de pesquisa e intervenção e leitura-escrita e literatura na escola, de agosto de 2015 a julho de 2018. Trata-se de projeto temático que articula, teórica e metodologicamente, um conjunto de objetos implicados nas relações entre linguagem e conhecimento e suas repercussões na educação escolar, da Educação Infantil à Educação Superior. O projeto inclui investigações no âmbito do mestrado em Educação, mestrado profissionalizante em Letras, graduação em Pedagogia e licenciatura em Letras-Português.
A questão articuladora dos estudos que compõem a proposta diz respeito à verificação dos modos como se realizam, nos processos de ensino-aprendizagem no âmbito da educação escolar, a produção, circulação e aquisição do conhecimento, especialmente aquele que se percebe como próprio do humano-genérico (HELLER, 1985), em relação direta com a formação dos indivíduos, tal como a caracteriza Martins (2004, p.85): “processo que sintetiza o conjunto de fenômenos produzidos pela história humana, de tal forma que a construção do indivíduo se situa no cerne de uma construção mais ampla: a da humanidade”.
Os subprojetos se desenvolvem em quatro subáreas (Alfabetização; Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio; Leitura-escrita e processos de produção e aquisição de conhecimento na Educação Superior. Literatura e formação), as quais, não obstante a amplitude, partem de três fundamentos básicos: 1 a língua percebida como sistema semiótico constitutivo da condição humana; 2 a intrínseca relação entre linguagem e conhecimento; 3 o reconhecimento e que a educação escolar representa, em relação à aprendizagem extraescolar, a forma mais desenvolvida e mais avançada de educação.
A questão central está situada na investigação e análise dos conteúdos e processos de ensino da língua no âmbito da educação escolar, considerando a relação entre linguagem e produção, circulação e aquisição do conhecimento, especialmente aquele que se percebe como próprio do humano-genérico (HELLER, 1985), em relação direta com a formação dos indivíduos (MARTINS, 2004). Para tanto, consideram-se as dimensões linguística, metalinguística e metacognitiva (o que pressupõe tanto a leitura-escrita como dimensões próprias da oralidade) e as produções históricas de cultura. Importa indagar, especialmente, sobre os processos formais e culturais que implicam a produção e a aquisição de mais língua e mais conhecimento. Assim, o que está em questão são os processos de produção, circulação e aquisição de dimensões da língua e do conhecimento em diversas e complexas dimensões da história. Reconhecer que se aprende e se ensina mais língua, mais da língua e mais com a língua implica reconhecer que há conhecimentos da e sobre a língua que não se realizam nas práticas sociais triviais nem se adquirem pela experiência imediata, uma vez que resultam de modos de cultura e de aprendizagem que se organizam com base na produção intelectual humana, demandando formas mais elaboradas para se concretizarem. Para tanto – uma vez que a língua é condição e resultado da atividade intelectual –, há que considerar a aprendizagem sistemática das produções orgânicas das artes, da ciência, da história – necessárias àquilo que Adorno (1995) identifica como formação e Heller (2004) denomina objetivações duradouras do genérico-humano. Dessa dimensão de ensinar intencional resulta a afirmação intelectual do sujeito, que se apodera desse bem cultural, fazendo-o seu e se fazendo nele. Coincide essa perspectiva de ensino com a concepção de educação escolar defendida por Saviani (2003, p.13), quando sustenta que: “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Disto decorre que, como bem estabelecem Abrantes e Martins (2008, p.87): “à educação escolar, independentemente do nível ao qual nos referimos, cumpre a função de transferir as conquistas científicas e culturais às novas gerações, possibilitando-lhes, pela via da apropriação de conhecimentos, o desenvolvimento das faculdades psíquicas humanas superiores e suas correspondentes habilidades operacionais. Esta função lança, de antemão, aos educadores um grande desafio: desenvolver nos alunos capacidades intelectuais durante o processo de apropriação de conhecimentos de forma que os saberes adquiridos sejam utilizados com êxito e atuem como mediadores da relação dos indivíduos com a realidade”.
A língua, como elemento essencial da constituição dos sujeitos e da cultura, é objeto de contínua elaboração e reelaboração, com diferentes graus de consciência e intenção. Neste sentido, deve ser compreendida como uma objetivação do trabalho humano e, principalmente quando se trata de gêneros secundários, uma objetivação duradoura. Saber a língua, saber pensar sobre ela e saber usá-la pensando-a, é um conhecimento que se aprende e que é melhor aprendido quando realizado num processo de reflexão continuada, intencional e sistemático, como aquele que deve ser próprio da educação escolar. Fica evidente o erro político e epistemológico de sustentar que se aprende fazendo e que a educação deve prender-se às práticas linguajeiras e culturais cotidianas, voltando-se para o contexto imediato do aluno, como se a isso se resumisse o saber necessário e que seria a partir dele que se elaboraria o conhecimento relevante para as pessoas e sua afirmação. Isso não passa de versão idealista e fantasiosa de relativismo que reproduz e mantém relações de desigualdade. Se é certo dizer que todas as formas que a língua adquire são vivas e próprias da língua, é um equívoco epistemológico e político supor que a língua de todo dia é toda a língua. Assim como as demais dimensões do conhecimento, também a língua se desdobra na produção histórica do humano-genérico (HELLER, 2004). “O indivíduo só se emancipa quando se liberta do imediatismo de relações que de maneira alguma são naturais, mas constituem meramente resíduos de um desenvolvimento histórico já superado” (ADORNO, 2003, p.67). É igualmente despropositado sustentar que a finalidade de ensinar língua (especialmente língua materna) seria levar o aluno a se tornar usuário competente da língua, capaz de adequar-se conforme a demanda, como postulam as concepções pragmático-utilitárias de educação, muitas vezes apresentando-se como inovadoras.
A aprendizagem da língua – de mais língua – faz-se concomitantemente à aprendizagem dos conteúdos culturais que a produzem e que nela se produzem. Trata-se, portanto, de aprender na História as formas produzidas de língua que, a um só tempo, permitem a organização do conhecimento e se organizam nele. Sem dúvida, isso implica a aprendizagem dos gêneros do discurso que foram se constituindo neste processo e as formas de língua – orais e escritas – que se estruturam nestes gêneros, o que inclui prosódias, léxicos, sintaxes, pragmáticas distintas entre si e distintas (e distantes) dos gêneros do fazer cotidiano. E implica também a aprendizagem de formas de pensar e indagar os objetos de conhecimentos mais metódicas e controladas, assim como outras categorias com que indagar e analisar a realidade. Tal aprendizagem – sistemática, intencional e conduzida em função de fins bem estabelecidos – pressupõe o reconhecimento dos conteúdos de aprendizagem e a definição de estratégias de ensino consistentes com dimensão intelectual e científica que a constitui. Essa é uma tarefa essencial da escola, e sobre isso muito se tem dito. No estudo das ciências, por exemplo, aprende-se o objeto específico temático e as formas de língua que se usam para investigá-lo, descrevê-lo, compreendê-lo; aprendem-se procedimentos intelectuais que se realizam na e pela língua – que e se consubstancial em gêneros discursivos específicos; aprendem-se procedimentos metacognitivos mediados pela língua (registro, relatório, síntese, resumo, quadros, etc.); igual raciocínio se aplica ao estudo da Geografia, da História, das Artes, e também aos projetos interdisciplinares.
O campo escolar de ensino de Língua, como as demais áreas do conhecimento, tem seu objeto de estudo: a própria língua – sua origem, sua estrutura, sua sociabilidade, as modalidades que a constituem e os usos que dela se fazem, entre outros temas – e os produtos culturais diretamente produzidos por ela, em especial a literatura. Contudo, assim como não faz sentido pensar em estudar um modelo ultrapassado de ciência – dos cosmos, por exemplo –, tampouco faz sentido estudar um modelo de descrição linguística apena porque é tradicional, como um saber de almanaque. Há que estabelecer os conteúdos relevantes e atuais e articulá-los numa prática pedagógica em que os sujeitos se apropriem deles com crítica e com conhecimento das metodologias e epistemologias que os compõem. O mesmo vale para o desenvolvimento da capacidade de fruição estética e para o estudo da arte literária. Trata-se, enfim, de propor um programa de ensino que, valorizando o que há de mais elevado e significativo da produção intelectual humana, de modo que o indivíduo que participa do processo pedagógico possa elevar-se “à disposição aberta, à capacidade de se abrir ao espírito, apropriando-se de modo produtivo na consciência, em vez de se ocupar para aprender, conforme prescreve um clichê insuportável” (ADORNO, 2003, p.64).