Ementa:
Objetivos: O interesse do curso é o de apresentar e discutir as várias concepções de engajamento, bem como suas manifestações na produção literária brasileira. O estudo da literatura engajada permitirá verificar até que ponto a decisão de fazer o texto servir explicitamente a causas políticas e sociais tensiona a noção, própria da modernidade, de autonomia da obra. Por sua natureza múltipla e instável, a literatura engajada envolve diferentes gêneros: romance, poesia, memória, diário, manifestos e panfletos. A escolha de um corpus que contemple essa diversidade, bem como a atenção para as especificidades de cada discurso, fornece subsídios para acompanhar as contradições que envolvem a questão do engajamento no Brasil. O problema leva a pensar, necessariamente: I) as relações entre escritores e Estado; II) as relações entre escritores militantes e/ou dissidentes com o Partido Comunista; e III) as implicações formais do engajamento — isto é, as maneiras pelas quais a matéria político-social se inscreve na fatura de cada obra. Tais aspectos se desdobram na prática do romance e da poesia proletários, nas manifestações do realismo socialista e nas disputas em torno da memória histórica.
Justificativa:
Justificativa: A confluência entre literatura e política tem especial relevância no Brasil, cuja vida social repõe matrizes coloniais insuperadas, o que de certo modo impele nossos escritores, ao menos desde meados do século XIX, a tomarem parte na arena pública. Embora a noção de engajamento tenha sido definida no segundo pós-guerra, em um contexto marcado pela luta contra o fascismo, sua prática cobre um período mais longo, o que a torna anterior à própria teorização. O curso se justifica na medida em que a presença do engajamento, mais do que respostas, constitui um núcleo de impasses artísticos produzidos em diferentes momentos históricos, dilemas que resultam em soluções literárias e (ir)resoluções formais heterogêneas. Dessa perspectiva, as questões que se colocam no cerne da prática engajada da literatura são sobretudo estéticas, o que permite aferir o alcance e a importância do problema crítico em tela. Trata-se de verificar: I) em que medida os imperativos do trabalho literário podem se conciliar com os da ação política, levando em conta a história local e seus descalibres em relação aos países centrais; e II) os resultados artísticos da visada participante, que exige um discurso transitivo e a confrontação da literatura com a esfera pública. Como consequência, espera-se que seja possível compreender a complexa e contraditória noção de engajamento na literatura, a especificidade brasileira do problema, bem como as ressonâncias composicionais desse parti pris.
Conteúdo:
1. Breve história do engajamento na literatura moderna. 2. O engajamento sartriano. 3. O engajamento adorniano. 4. Uma literatura empenhada. 5. A “traição de classe” de Joaquim Nabuco: O abolicionismo. 6. A poesia social de Castro Alves. 7. O romance proletário: Parque industrial, de Patrícia Galvão. 8. Discursos agônicos: o panfleto e o manifesto. 9. PCB, romance proletário e realismo socialista: Cacau e Jubiabá, de Jorge Amado. 10. A poesia proletária. 11. Carlos Drummond de Andrade e as aporias da participação: A rosa do povo. 12. João Cabral de Melo Neto e a vida espessa: O cão sem plumas. 13. A literatura de testemunho e o engajamento “total” (memória): Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos. 14. A literatura de testemunho e o engajamento “total” (diário): Viagem, de Graciliano Ramos.
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