Ementa:
Objetivos:
A disciplina se propõe a discutir um momento de crise da modernidade em contexto brasileiro, flagrada a partir de um gênero que é considerado o próprio paradigma do moderno (Wolfgang Iser): a lírica. Esse crise é articulada com a retomada ou a reposição de certas convenções tradicionais de modo a fazer frente às principais reivindicações da modernidade lírica. Trata-se, em suma, do exame de certa tendência formalista, de feição pré-moderna ou pré-modernista (neoclássica, neoparnasiana ou neo-simbolista), sobretudo, da poesia brasileira do imediato pós-guerra, verificada tanto na lírica dos grandes nomes do alto modernismo (Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes...), quanto na dos novos poetas de então, agrupados sob a denominação comum de geração de 45, dada por um de seus líderes. O programa busca retomar, de modo mais sistemático, as linhas gerais dessa tendência, tendo em vista o que foi apontado de forma dispersa pela crítica e pela historiografia literárias, para esboçar uma hipótese de trabalho a ser testada no exame de uma amostragem de poemas representativos da época. A disciplina revela sua franca vocação histórico-crítica ao buscar não só configurar e sistematizar uma tendência marcante em um período histórico delimitado, mas também examinar mais detidamente uma amostra emblemática, levando em consideração a especificidade do projeto poético de cada um dos nomes representativos de tal tendência
Justificativa:
Embora obras como Claro enigma, Siciliana e Livro dos sonetos tenham sido objetos de estudos detidos, muito dos quais magistrais, poucas vezes se buscou examiná-las em confronto, como parte de uma tendência de época, num recorte de tempo que vai de 1945 a 1955 ou poucos mais. Muito raramente, também, tal tendência foi lida à luz de um debate mais amplo sobre a crise da modernidade lírica. Outras obras do período desses grandes modernistas não tiveram sequer o destino dos livros citados, mesmo em termos de recepção crítica isolada. Basta pensar na carência de estudos sobre obras como Fazendeiro do ar, A vida passada a limpo e Sonetos brancos (ou mesmo Contemplação de Ouro Preto), todas inscritas dentro da mesma tendência, guardadas as peculiaridades de suas poéticas particulares. Se isso ocorreu com os grandes modernistas, que dirá então com a sempre execrada geração de 45, geralmente descartada em bloco inclusive por aqueles que o fazem sem conhecimento de causa... Não se trata, entretanto, aqui de buscar reabilitar (conceito discutível, mas caro a certos modelos historiográficos) tal geração, que de fato compreende um conjunto de obras muito medianas, para não dizer medíocres (no sentido etimológico do termo), mas sim de dirigir um olhar mais atento a uma amostra representativa dos poetas que a integram e buscar entendê-la dentro de um quadro de referências de época, de modo a indagar como uma tendência mais ou menos afim, que implicou o recuo ou a reposição de certos procedimentos pré-modernos (ou pré-modernistas), resultou num movimento mais convencional, estetizante ou mesmo regressivo em alguns casos e, em outros, representou o ápice de uma trajetória poética.
Interessa, além disso, problematizar, até certo ponto, as designações com que a crítica e a historiografia tradicionalmente tenderam a rotular tal tendência, empregando termos distintos (muito dos quais neologismos) como reclassicização, neoclassicismo, retradicionalização, neoparnasianismo, neo-simbolismo...
Por fim, importa esclarecer que as relações entre lírica, história e sociedade constituem o horizonte da reflexão crítica que orienta as abordagens propostas por esta disciplina.
Conteúdo:
1- Apresentação da proposta e dos objetivos da disciplina; delimitação dos tópicos do programa e do cronograma de leituras obrigatórias. Breve histórico do problema ou da questão abordada pelo curso.
2- Introdução histórica e teórico-crítica aos conceitos centrais da disciplina: tradição, retorno à ordem, anacronismo e estilo tardio ou estilo da maturidade, nostos...
3- Carlos Drummond de Andrade: aspectos da lírica social dos anos 1940 e da transição para a lírica do pós-guerra.
4- Carlos Drummond de Andrade: a prosa de Passeios na ilha (1952) e o contexto da reclassicização.
5- Carlos Drummond de Andrade: Claro enigma (1951)
6- Modernistas classicizados: Jorge de Lima
7- Modernistas classicizados: Murilo Mendes
8-A emergência dos novíssimos e o perfil de uma geração: o programa da geração de 45, suas matrizes e a relação entre modernidade e tradição
9-O formalismo e o neoclassicismo do pós-guerra e a crítica do período: Sérgio Buarque de Holanda
10- Poéticas em confronto: a apropriação do legado clássico pelos modernistas classicizados e pelos poetas de 45.
11- Figurações do poeta: das mitologias pessoais à construção convencional da imagem do poeta pelos modernistas classicizados e pela geração de 45.
12- De volta a Drummond: a transição de A vida passada a limpo (1959)
Obs. Excepcionalmente, conforme o andamento do curso e havendo tempo hábil, a disciplina poderá contemplar nesse contexto a emergência da poesia de João Cabral (em particular O engenheiro (1945)).
Bibliografia:
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