Ementa:
Objetivos
O curso visa a oferecer um instrumental crítico interdisciplinar para a abordagem dos textos de Clarice Lispector e de Guimarães Rosa, tendo como foco o modo com que estes autores constroem um sujeito oblíquo, desviante e deslocado em relação à cultura hegemônica no Brasil. As modulações do sujeito e da narrativa serão acompanhadas por uma visada rente ao texto, capaz de desentranhar uma leitura não convencional. A mirada interpretativa que se pretende realizar situa-se na interface da psicanálise e da estilística, agenciando elementos de ambos os campos no estudo da ficção dos dois autores. Trata-se, sobretudo, de investigar os caminhos textuais por onde uma concepção de sujeito (ou de sujeitos) toma forma na obra e aponta para um território incomum, na ficção dos anos quarenta aos anos sessenta e setenta do século XX. Interessa-nos, sobretudo, configurar o estilo de uma escrita provocativa e transgressora, passando inevitavelmente, pelo estudo dos impasses da subjetividade moderna, preocupações às quais Guimarães Rosa e Clarice Lispector mostraram-se especialmente sensíveis.
Justificativa
O curso se justifica na medida em que apresenta uma outra possibilidade de leitura da obra de dois dos maiores escritores da literatura brasileira, pouco estudada pela crítica. Sem desconsiderar o viés mais conhecido dos estudos claricianos e rosianos, qual seja, a questão da epifania (no caso de Clarice) e as tensões entre o arcaico e o moderno (no caso de Rosa), a presente abordagem busca surpreender os aspectos pouco iluminados de sua ficção, como os limites entre a razão e a desrazão, a temática da exclusão, a irracionalidade como motor narrativo e a escrita desnorteadora como marca artesanal. Essa perspectiva, que conjuga a vertente temático-psicanalítica à formal-estilística, propicia uma nova visada dos textos desses dois experimentadores da linguagem e uma contribuição singular à fortuna crítica de ambos. O problema elegido pelo curso, no contexto da literatura de Rosa e de Clarice, articula-se à construção da subjetividade e à gênese do eu, o que torna seu estudo fonte importante para a compreensão de um sujeito em sua dupla dimensão: literária e psíquica. Os estudos freudianos, entre outros, serão auxiliares na investigação de sentidos latentes a serem pesquisados nas obras, uma vez que o sujeito da psicanálise rompe com o enquadre do eu pensante cartesiano e questiona a idéia de uma unidade coesa e íntegra.
Conteúdo
Após uma introdução sobre o aparato crítico do curso textos psicanalíticos, de Freud e seus comentadores, e sobre a narrativa moderna, além dos principais ensaios da fortuna crítica dos autores -, o curso está estruturado em dois módulos, que tratarão de tensões constantes da obra de cada autor: A) Clarice Lispector e a escrita da desordem. A escrita clariciana almeja tocar algo da ordem do primário, da origem dos seres, da esfera pré-verbal da existência, fazendo dessa trajetória sua matéria narrativa. Essa miragem de um solo elementar e essencial, que se situa tantas vezes fora do âmbito cultural conhecido, forjou um perturbador movimento da linguagem, bem como uma galeria de personagens descentrados, desviantes e marginais, que será analisada, tanto nas suas implicações psicanalíticas quanto na sua organização formal, dentro das exigências estéticas próprias ao estatuto literário desse estudo. Trata-se de Mineirinho, Macabéa, Carla, de A Bela e a fera ou a ferida grande demais, a pigméia de A Menor Mulher do Mundo e algumas empregadas domésticas presentes em crônicas e contos; B) Guimarães Rosa e o canto da desrazão. Aqui serão investigadas uma série de personagens ex-cêntricas (afastadas de um centro ordenador racional), capazes, no entanto, de problematizar, do lugar de sua estranheza e incompreensibilidade, todo um universo de relações entre o homem e a cultura moderna. Tais anormalidades serão analisadas enquanto desencadeadoras do mecanismo dinâmico do enredo, acionando as contradições fundantes da ficção rosiana. Ao longo de todos os textos elencados nas duas frentes temáticas do curso tentaremos acompanhar as vicissitudes de um sujeito que se estranha e/ou mobiliza a estranheza e a surpresa no outro com o qual se depara, desestabilizando as referências familiares e desmontando o terreno sólido dos valores estabelecidos da civilização moderna. A estrangeiridade dessas figuras, seja no mundo urbano de Clarice, seja no mundo rural de Rosa, encontra nos inusitados deslocamentos da linguagem sua morada estrutural. Os itens do curso são os seguintes: 1. Introdução: A narrativa moderna e fundamentos psicanalíticos para o estudo literário. 2. Das Unheimilche em A menor mulher do mundo 3. A identidade Negativa em Os Desastres de Sofia. 4. Exclusão e identificação em Mineirinho. 5. Sábias tolices em Aninha e Como uma corça. 6. O sujeito descentrado em A Hora da Estrela. 7. Loucura e desrazão em Soroco, sua mãe, sua filha. 8. A língua de lá em A menina de lá. 9. Dualidade e alteridade em A terceira margem do rio. 10. Sujeito e narrativa em Cara-deBronze 11. A palavra opaca em Famigerado 12. O descaminho em Matraga
Forma de Avaliação
Entrega de Monografia.
Bibliografia:
1)De Clarice Lispector: Laços de Família (Contos). Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1960. A Legião Estrangeira (Contos e Crônicas). Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1964. A Descoberta do Mundo (Crônicas). Rio de Janeiro, nova Fronteira, 1984. 2)Sobre Clarice Lispector: AREAS, Vilma. Clarice Lispector. Com a ponta dos dedos. São Paulo, Companhia das Letras. CANDIDO, A. No Raiar de Clarice. Em Vários Escritos. 2. ed. São Paulo, Duas Cidades, 1977. BORELLI, Olga. Esboço para um Possível Retrato. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981. GOTLIB, N. B. Clarice: Uma Vida que se Conta. 2. ed. São Paulo, Ática. 1995. ____________. Os Difíceis Laços de Família. Em: Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, nov. 1994.HELENA, Lúcia. Nem Musa, Nem Medusa. Itinerários da Escrita em Clarice Lispector Niterói: EDUFF, 1997 (Col. Ensaios, 6) NUNES, Benedito. O Drama da Linguagem: Uma Leitura de Clarice Lispector. São Paulo, Ática, 1989. PONTIERI, Regina(Org.) Leitores e Leituras de Clarice LIspector. São Paulo: Hedra, 2004. VVAA. Remate de Males, Campinas, Unicamp, 9, Número dedicado a Clarice Lispector, org. por Vilma Arêas e Berta Waldman, 1989. SANTANNA, Affonso Romano de. Laços de Família e Legião Estrangeira. Em Análise Estrutural de Romances Brasileiros. 7. ed. São Paulo, Ática, 1990. SOUZA, Gilda de Melo e. O Vertiginoso Relance. Em Exercícios de Leitura. São Paulo, Duas Cidades, 1980. WALDMAN, Berta. Clarice Lispector: A Paixão Segundo C.L.. 2. ed. ver. e aum. São Paulo, Escuta, 1992. _______________ Entre Passos e Rastros. Presença Judaica na Literatura Contemporânea. São Paulo: Perspectiva: Associação Universitária da Cultura Judaica, 2003. 2)GUIMARÃES ROSA: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. Corpo de Baile. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006. Sagarana. Rio de Janeiro, José Olympio, 1982.. ARRIGUCCI JR, Davi. O Mundo Misturado. Romance e Experiência em Guimarães Rosa. Em Novos Estudos Cebrap. Novembro/1994, n. 40.BOSI, Alfredo. Céu, Inferno. Em Céu, Inferno. Ensaios de Crítica Literária e Ideológica. São Paulo, Ática, 1988.CANDIDO, Antonio. O Homem dos Avessos. Em Tese e Antítese. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971. FANTINI, Marli (org.) A Poética Migrante de Guimarães Rosa. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2008. GALVÃO, Walnice. Mitológica Rosiana. São Paulo, Ática, 1978 (Ensaios, n. 37). _____________. Mínima Mímica. São Paulo, Companhia das Letras, 2008. LIMA, Luis Costa. O Mundo em Perspectiva. Em Guimarães Rosa. Fortuna Crítica.Eduardo Coutinho (Org.). Rio de Janeiro: Civ. Brasileira; Brasília: INL, 1983 (Col. Fortuna Crítica, V. 6).NUNES, Benedito. O Dorso do tigre. São Paulo, Perspectiva, 1969 (Debates, n. 17).PASSOS, Cleusa Rios P. Guimarães Rosa: Do Feminino e suas Estórias. São Paulo, Hucitec/Fapesp, 2000. RIVERA, Tânia. Guimarães Rosa e a Psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005.
3) GERAL: FREUD, S. O Estranho (1919). Em: Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1976, V. XVII. ___________. Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise. Em Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1976, V. XXII. BIRMAN, Joel. Estilo e modernidade em Psicanálise. São Paulo, Ed. 34, 1997. ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o Romance Moderno. Em: Texto/Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1976. ROSENFIELD, Kathrin. Inconsciente. Em: José Luis Jobim (org) Palavras da Crítica. Tendências e Conceitos no Estudo da Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992 (Col. Pierre Menard).