Ementa:
Objetivos:
O curso visa analisar e interpretar alguns textos da literatura brasileira, e eventualmente outros de literatura estrangeira que com eles dialoguem, de modo a compreender as articulações entre subjetividade e modernidade em representações da loucura, da desrazão e da normalidade. Busca-se oferecer um instrumental crítico na interface da literatura com a psicanálise, tendo como foco o estudo temático-estilístico de obras que abordem experiências e processos próprios da loucura e da desrazão - como a fragmentação, a despersonalização, a exclusão e a marginalização -, bem como outras modulações subjetivas que tangenciem as fronteiras da razão e da normalidade, em suas diversas concepções na modernidade. A abordagem proposta problematiza a ideia de um sujeito autônomo e idêntico a si mesmo, tendo como foco os procedimentos literários através dos quais os autores constroem um sujeito oblíquo, desviante e deslocado em relação à cultura e à razão hegemônicas. As modulações do sujeito e da narrativa serão acompanhadas por uma visada rente ao texto, capaz de desentranhar uma leitura problematizadora dos temas e conceitos aqui em foco. A mirada interpretativa que se pretende realizar agencia elementos de ambos os campos no estudo da ficção – crítica literária e psicanálise –, sobretudo ao investigar os caminhos textuais por onde uma concepção de sujeito (ou de sujeitos) toma forma na obra e aponta para o território ficcional a ser trabalhado no curso.. Trabalhamos aqui com a distinção entre loucura e desrazão desenvolvida por Foucault em sua História da loucura na Idade Clássica, mostrando que se trata de campos diversos e abertos a diferentes significações. Em suma, o curso acompanhará, nos textos literários, as vicissitudes de um sujeito que se estranha e/ou mobiliza a estranheza e a surpresa no outro com o qual se depara, desestabilizando as referências familiares e desmontando o terreno sólido dos valores estabelecidos da civilização moderna. Textos de Maupassant, Kafka, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Raduan Nassar, entre outros, serão estudados à luz dessas reflexões, desentranhando suas singularidades literárias.
Justificativa:
O curso se justifica na medida em que apresenta outra possibilidade de leitura das obras de grandes escritores da literatura brasileira, por um viés pouco estudado pela crítica. A presente abordagem busca surpreender aspectos pouco iluminados dos textos elencados, como os limites entre a razão e a desrazão, a temática da exclusão, a irracionalidade como motor narrativo, a escrita desnorteadora como marca estilística e a crítica às concepções hegemônicas sobre as diferenças e limites entre o normal e o anormal. Essa perspectiva, que conjuga a vertente temático-psicanalítica à formal-estilística, propicia uma nova interpretação dos textos, situando contextualmente os impasses da subjetivação. O problema elegido pelo curso - loucura, desrazão e normalidade - tem longa linhagem na tradição literária, desde a Grécia antiga até a atualidade. Caberia, agora, compreender, em cada narrativa particular, como os autores dialogam com essa tradição e quais seriam as possíveis figurações da subjetividade, em seus limites mais extremos. Os estudos freudianos e foucaultianos, entre outros, serão auxiliares na investigação de sentidos latentes a serem pesquisados nas obras, uma vez que o sujeito da psicanálise rompe com o enquadre do eu pensante cartesiano e questiona a ideia de uma unidade coesa e íntegra. Sendo a loucura e a desrazão fenômenos que transfiguram e/ou desagregam os processos simbólicos da linguagem, será fundamental tratar da questão da formação do símbolo na perspectiva teórica de Freud, Melanie Klein, Bion e Laplanche.
Conteúdo:
O curso está estruturado com uma introdução sobre o aparato crítico utilizado – textos psicanalíticos de Freud, Foucault e seus comentadores, bem como ensaios sobre os modos como propomos ler os textos literários, em abordagens que põem em diálogo a Crítica Literária, a Psicanálise e o estudo dos contextos de produção textual. As aulas a seguir serão dedicadas a minuciosos estudos das narrativas inspirados pelo círculo hermenêutico spitzeriano, ou seja, movimento de análise que caminha do micro ao macro textual e vice-versa, numa rigorosa articulação entre o detalhe particular e a abrangência do contexto. Serão doze aulas, distribuídas da seguinte maneira:
Módulo 1 – Quadro referencial
Aula 1. Modos de ler (I): Apresentação e introdução do instrumental teórico (interface Psicanálise e Literatura).
Parte I: Ricoeur, P “Qué es um texto?”. Em Del texto a la acción. Ensayos de hermenêutica II. Buenos Aires: FCE, 2000.
Parte II: Arrigucci Jr., D. “Em busca do sentido”. Em O guardador de segredos. São Paulo: Companhia das letras, 2010, p.219-238.
Cândido, A. “Introdução” à Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Editora Itatiaia., p. 23-39, v. 1, 1975.
Aula 2. Modos de ler (II): Loucura e desrazão.
Parte I: Leitura de Stultifera navis”, de Foucault. Em A história da loucura na Idade Clássica. SP: Editora Perspectiva, capítulo 1, 1978.
Parte II: Discussão do texto “Da loucura à desrazão”. De Peter Pal Pelbart. Em A nau do tempo rei. 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro. Imago, p.91-99, 1993.
Módulo 2 – Escritas da loucura
Aula 3. O sujeito e seu duplo.
Parte I: Análise de “O Horla”, de Guy de Maupassant. Em Maupassant, G. Contos fantásticos, o Horla e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 2010.
Parte II: Relações entre a literatura fantástica e a Psicanálise.
Kon, N. “O milagre, o mistério e o enigma”. Em A viagem. Da literatura à psicanálise. São Paulo: Companhia das letras, 2003, p.317-340.
Aula 4. O sujeito enclausurado.
Parte I: Análise de “A construção”, de Franz Kakfa. Em Um artista da fome/A construção. SP: Companhia das Letras, 1998.
“A toca de Kafka. O desdobramento na linguagem”, de Peter Pal Pelbart. Em A clausura do fora ao fora da clausura. 2. Ed. São Paulo: Iluminuras, p. 69-74, 2009 (Segunda Parte: Figuras da desrazão contemporânea).
Parte II: Constituição do sujeito psíquico e construção do texto.
Klein, M. (1946) Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. Em Obras Completas de Melanie Klein: Volume III Inveja e Gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
Aula 5. Clarice Lispector e a escrita da desordem.
Parte I: Análise de “A imitação da rosa”, de Clarice Lispector. Em: Laços de família (1960). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
Parte II: Teoria da psicose.
Freud, S. (1924) “A perda da realidade na neurose e na psicose”. Em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 19. RJ: Imago, 1976.
Aula 6. Atuação e simbolização.
Parte I Análise de Lavoura arcaica. Em Nassar, R. Lavoura Arcaica. SP: Companhia das Letras, 3a edição, 1989.
Parte II Discussão do texto: Segal, H. Notas sobre a formação de símbolos. Em Spliius, E. (org.) Melanie Klein Hoje: desenvolvimentos da teoria e da técnica. Vol. 1. RJ: Imago, 1990.
Aula 7. Loucura, humor e ironia
Parte I : Análise de “Darandina”. Em Primeiras estórias (1962). RJ: Nova Fronteira, 1988.
Parte II: Assis, M. (1882) “O alienista”, de Machado de Assis. Em Assis, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, vol. II.
Rosenbaum, Y. Machado de Assis e Guimarães Rosa: loucura e razão em "O alienista" e "Darandina". Machado Assis em Linha vol.9 No.19 São Paulo Set./Dez. 2016.
Módulo 3. – Escritas da desrazão
Aula 8. O sujeito descentrado
Parte I: Análise de Lispector, C. (1964) A paixão segundo G.H. RJ: Rocco, 1998.
Parte II: A dialética entre subjetividade e alteridade
Nunes, B. Clarice Lispector ou o naufrágio da introspecção. Em: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n. 70, Nov. 1982, p. 13-22.
Aula 9. A loucura, a desrazão e o trágico
Parte I: Análise de “Sorôco, sua mãe, sua filha”. Em: Primeiras estórias (1962). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
ParteII: A terceira margem do rio” (Primeiras estórias)
Perrone-Moisés, Leyla. “Para trás da serra do mim” Em SCRIPTA. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da PUC Minas. Edição Especial. 2. Seminário Internacional Guimarães Rosa – Rotas e Roteiros. V. 5, n. 10, 1. Semestre de 2002.
Módulo 4. A normalidade em xeque
Aula 10. Facetas do psiquismo I.
Parte I: Análise de “Verba testamentária”. Em Assis, M. Contos/Uma antologia. Vol. 1. SP: Companhia das Letras, 1998.
Mezan, R. A inveja. Em Os sentidos da paixão. SP: Companhia das Letras, 2009.
Parte II: Lispector, C. “Os obedientes”. Em Lispector, C. Todos os contos. RJ: Rocco, 2016.
Mcdougall, J. “Em defesa de uma certa anormalidade”. Em Em defesa de uma certa anormalidade.(Teoria e clínica psicanalítica).Trad. Carlos Eduardo Reis. Porto Alegre: Artes Médicas, p.173-182, 1983.
Aula 11. Facetas do psiquismo II.
Parte I: Análise de “O espelho”, de Machado de Assis.
Assis, M. “O espelho”. Em Assis, M. Contos/Uma antologia. Vol. 1. SP: Companhia das Letras, 1998.
Villaça, A. "‘O espelho’: superfície e corrosão”.Em Revista Machado de Assis em Linha [online]. 2013, vol.6, n.11, pp.102-117.
Parte II: Freud, S. (1914) Introdução ao narcisismo. Em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 12. RJ: Imago, 1976.
Aula 12. Fechamento.
Forma de avaliação:
Os alunos deverão entregar um trabalho final em que desenvolvem relações entre suas pesquisas e a temática abordada no curso. Espera-se que o aluno demonstre te
Bibliografia:
Bibliografia:
Arrigucci Jr., D. “Em busca do sentido”. Em O guardador de segredos. São Paulo: Companhia das letras, 2010, p.219-238.
Assis, M. (1882) “O alienista”, de Machado de Assis. Em Assis, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, vol. II.
______. “Verba testamentária” e “O espelho”. Em Assis, M. Contos/Uma antologia. Vol. 1. SP: Companhia das Letras, 1998.
Cândido, A. “Introdução” à Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Editora Itatiaia., p. 23-39, v. 1, 1975.
Foucault, M. “Stultifera navis”. Em Foucault, M. A história da loucura na Idade Clássica. SP: Editora Perspectiva, capítulo 1, 1978.
Freud, S. (1914) Introdução ao narcisismo. Em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 12. RJ: Imago, 1976.
_______. (1924) “A perda da realidade na neurose e na psicose”. Em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 19. RJ: Imago, 1976.
Kafka, F. “A construção”. Em Kafka, F. Um artista da fome/A construção. SP: Companhia das Letras, 1998.
Klein, M. (1946) Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. Em Obras Completas de Melanie Klein: Volume III Inveja e Gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
Kon, N. “O milagre, o mistério e o enigma”. Em Kon, N. A viagem. Da literatura à psicanálise. São Paulo: Companhia das letras, 2003, p.317-340.
Lispector, C. “A imitação da rosa”. Em Lispector, C. Laços de família (1960). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
_________. (1964) A paixão segundo G.H. RJ: Rocco, 1998.
_________. “Os obedientes”. Em Lispector, C. Todos os contos. RJ: Rocco, 2016.
Maupassant, G. “O Horla”. Em Maupassant, G. Contos fantásticos, o Horla e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 2010.
Mcdougall, J. “Em defesa de uma certa anormalidade”. Em Em defesa de uma certa anormalidade.(Teoria e clínica psicanalítica).Trad. Carlos Eduardo Reis. Porto Alegre: Artes Médicas, p.173-182, 1983.
Mezan, R. A inveja. Em Os sentidos da paixão. SP: Companhia das Letras, 2009.
Nassar, R. Lavoura Arcaica. SP: Companhia das Letras, 3a edição, 1989.
Nunes, B. Clarice Lispector ou o naufrágio da introspecção. Em: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n. 70, Nov. 1982, p. 13-22.
Pelbart, P. P. “Da loucura à desrazão”. Em Pelbart, P.P. A nau do tempo rei. 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro. Imago, p.91-99, 1993.
_________. “A toca de Kafka. O desdobramento na linguagem”. Em Pelbart, P. P. A clausura do fora ao fora da clausura. 2. Ed. São Paulo: Iluminuras, p. 69-74, 2009 (Segunda Parte: Figuras da desrazão contemporânea).
Perrone-Moisés, Leyla. “Para trás da serra do mim” Em SCRIPTA. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da PUC Minas. Edição Especial. 2. Seminário Internacional Guimarães Rosa – Rotas e Roteiros. V. 5, n. 10, 1. Semestre de 2002.
Ricoeur, P “Qué es um texto?”. Em Ricoeur, P. Del texto a la acción. Ensayos de hermenêutica II. Buenos Aires: FCE, 2000.
Rosa, G. “A terceira margem do rio”, “Darandina” e “Sorôco, sua mãe, sua filha”. Em Rosa, G.: Primeiras estórias (1962). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
Rosenbaum, Y. Machado de Assis e Guimarães Rosa: loucura e razão em "O alienista" e "Darandina". Machado Assis em Linha vol.9 No.19 São Paulo Set./Dez. 2016.
Segal, H. Notas sobre a formação de símbolos. Em Spliius, E. (org.) Melanie Klein Hoje: desenvolvimentos da teoria e da técnica. Vol. 1. RJ: Imago, 1990.
Villaça, A. "‘O espelho’: superfície e corrosão”. Em Revista Machado Assis em Linha [online]. 2013, vol.6, n.11, pp.102-117.